Histórias de Guerra: Ucrânia
- Redação JMM
A guerra na Ucrânia completou 3 anos em 24 de fevereiro de 2025. Na ocasião, Missões Mundiais realizou uma live com os missionários ucranianos Anatoliy Shmilikhovskyy e Lyubomyr Matveyev, que conversaram com o Pr. João Marcos B. Soares sobre os desafios e misericórdias vividos nesses três anos. Para assistir, clique aqui.
O missionário Lyubomyr compartilhou um relato recente, mas tocante, sobre como é viver três anos em um país em conflito armado diário.
“O período é um dos mais complicados da nossa vida e nos esgota demais emocionalmente. É fato que nos acostumamos com a situação de alerta de perigo, com o sinal de recolhimento que acontece com muita frequência durante o dia. Paramos todos os afazeres e corremos para o esconderijo. Isso é um dos maiores problemas ao viajar, dar aulas, pregar ou ministrar treinamentos, porque nem todos os prédios e igrejas têm subsolo para se recolher.”
No final de 2024, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, informou que o país registrou a morte de 43 mil militares e mais de 370 mil feridos. Os números coletados por várias entidades, no entanto, não representam uma realidade exata, já que é difícil a verificação em ambos os lados do conflito. Já em abril de 2024, o veículo de comunicação BBC News apurou que mais de 50 mil militares russos haviam morrido desde o início do conflito.
A guerra não parece ter fim, e as iniciativas de acordos de paz mediadas por outros países nunca chegam a uma resolução definitiva. Ambos os lados ainda resistem, enquanto russos e ucranianos sofrem e sangram.
O missionário Anatoliy testemunhou de perto o preço que o conflito tem cobrado das pessoas. Em um relato tocante, ele compartilhou histórias da guerra que ficarão para sempre gravadas em sua memória. Histórias que ele decidiu compartilhar conosco. Veja abaixo:
“Certo dia, uma jovem mulher, Marta, de 27 anos, nos visitou. Ela tem duas filhas: Dominica, de 2 anos e meio, e a menor, Melania, de 1 ano e meio. Eu a conheço desde seu nascimento. Ela é filha de um amigo pastor, com quem sirvo na mesma igreja há mais de 10 anos. Celebrei o seu casamento em 2018, ano da Copa do Mundo na Rússia. No início de março de 2023, ela ficou viúva. Um atirador russo matou seu esposo, Bogdan, no seu primeiro dia de guerra. O sepultamento foi muito emotivo para todas as igrejas da cidade de Lviv. O cemitério fica ao lado da nossa casa.
Em outubro de 2023, sepultamos um dos líderes da Igreja Batista Central de Kiev. Max Sauta, de 42 anos, era o presidente do corpo diaconal de uma das maiores igrejas da capital. Max deixou um casal de filhos adolescentes, sua esposa e um negócio próprio e bem-sucedido na área da construção civil. Quando começou a guerra, Max se tornou um dos líderes do movimento voluntário chamado 'Homens de Negócios Patriotas'. Milhares de refugiados receberam ajuda humanitária daqueles irmãos. Mas, em setembro, Max foi diagnosticado com leucemia. Os médicos aconselharam levá-lo para a Alemanha. Com a ajuda dos pastores alemães, conseguimos um tratamento gratuito em uma clínica na cidade de Bonn, na Alemanha. Um dia antes de ser transportado, Max pegou Covid e seu organismo enfraquecido não resistiu. Falei muito com sua esposa, Oksana, que me contou uma conversa entre os médicos: 'A causa mais provável da sua morte é o estresse'.
Wes Slow é um pastor americano, já aposentado. Um dos melhores expositores da Bíblia que já conheci. Ele ama muito a Rússia. Já esteve lá 46 vezes, sempre treinando líderes locais. Seu maior alvo era ajudar na plantação de novas igrejas. Nos conhecemos há alguns anos, pois nós também queríamos ajudar na plantação no país vizinho. Por várias vezes, Wes esteve na Ucrânia. Sempre o convidávamos para o treinamento de líderes e missionários. Até que, um dia, Wes viajou à Rússia pela 47ª vez. Desta vez, foi para a cidade de Chita. Até que recebi o telefonema de sua esposa dizendo que Wes foi preso na Rússia. Sua 'culpa' tem três partes: ele pregava o Evangelho, tem passaporte americano e possui amigos ucranianos...
Pavel Korjakin é meu amigo há mais de cinco anos. Nos conhecemos na Rússia, durante a Copa. Um homem de Deus. Um dos líderes da igreja evangélica russa. Nos últimos anos, através dele, servimos mais de mil crianças e jovens russos. Foram fundadas várias escolas de futebol em todo o país. Pavel é uma pessoa-chave no país. Um homem visionário. Foi um privilégio cooperar com ele. Mas, no dia 24/02/2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, e foi naquele dia que falei com Pavel pela última vez. Ele chorava e se lamentava pela dor que seu país trazia ao povo ucraniano.
Não posso mais falar com os russos. Palavras como 'Rússia', 'russo', 'língua russa', entre outras, tornaram-se pejorativas e são associadas com a dor, a morte, os bombardeios, as lágrimas, o genocídio, a mentira etc. Pavel me escreveu na semana passada. Pediu para eu voltar a servir aos russos. Disse que eu poderia ser útil no trabalho deles, pois conheço bem a língua russa. Fiquei parado por alguns dias... Lembrei da Marta, do Max, do Wes e de tantos outros.
Os russos continuam causando muita dor ao povo ucraniano. As feridas ainda são muito grandes e dolorosas. Deus, nos ajude a fazer a Sua vontade no momento certo! Ore por nós. Carecemos de suas orações e da graça de Cristo!”
O relato do missionário Anatoliy nos faz perceber quão complexas são as emoções humanas diante da dor. Como estender a mão ao inimigo quando ele lhe causa tanto sofrimento? É uma pergunta difícil de responder, e só através do amor do Pai ela pode ser compreendida. Pois em João 3:16, quando Jesus veio para nos salvar, Ele veio por todos. Por todos os povos.
Contudo, é ingênuo acreditar que esse pensamento racional pode entrar em um coração que já foi tão machucado como o dos ucranianos. Tão machucado quanto o dos russos, pois nem todos querem ferir seus irmãos como a guerra tem feito.
O Pr. Egon, da Convenção Batista do Rio Grande do Sul, disse: "O pior que pode acontecer com uma tragédia é a gente esquecê-la." Essas palavras, ditas na ocasião da tragédia no Rio Grande do Sul, uso para falar da guerra na Ucrânia.
Não podemos esquecer. Não podemos parar de orar e nos esforçar para ajudar nossos irmãos ucranianos como pudermos. Seja orando, visitando como voluntário, ofertando recursos… A guerra não acabou. Ela já dura mais de 1.095 dias.
Portanto, clame pela paz. Incessantemente, todos os dias, clame pela paz na Ucrânia.
Jamile Darlen
Jornalista em Missões Mundiais